Historicamente e quase
como um dogma, no Brasil a guarda e cuidado dos filhos é atribuída à mãe. É a
regra do que quem pariu que
embale, franqueada outrora pela própria lei, e chancelada ao longo dos anos
pela absoluta incompetência dos homens em desempenhar funções básicas da rotina
casa-filhos-filhos-casa. Talvez por isso, cerca de 90% das guardas no Brasil
sejam unilaterais (aquela em que apenas um dos genitores tem a guarda física
dos filhos), e pertençam às mães.
Com
o passar dos anos e a crescente libertação dos homens dos grilhões do
preconceito que ditava a regra de que cuidar da casa e de filhos é tarefa de
mulher, muitos pais passaram a reivindicar na justiça o direito de estar e
cuidar de seus filhos.
Como consequência,
algumas modificações legislativas foram feitas com o objetivo de facilitar o
acesso a esse direito, que é antes, um direito fundamental dos filhos de terem
uma convivência familiar saudável. (Constituição
Federal, artigo 227). Frisa-se.
Convivência familiar saudável. Não estamos falando de convivência saudável com
a mãe ou com o pai!
Assim, em 13 de junho de
2008, foi sancionada a lei 11.698 que alterou o texto dos artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil,
introduzindo a guarda compartilhada na legislação brasileira. No entanto, tal
se deu de modo pouco efetivo, pois a referida lei apenas sugeria a aplicação da
guarda compartilhada, sem a impor, o que transformou a nobre lei em letra
morta.
Finalmente em 23 de
dezembro de 2014, depois de multa luta entrou em vigor a lei13.058, que promoveu
nova alteração no texto dos artigos 1.583, 1.584 e nos artigos1.585 e 1.634 do código Civil estabelecendo o significado da
expressão “guarda compartilhada” e trazendo novas disposições acerca da sua
aplicação.
Mais
significativamente a nova lei tornou obrigatória a aplicação da Guarda
Compartilhada nos casos em que se verifique divergência dos pais acerca da
guarda e cuidados devidos aos filhos.
Agora
a guarda unilateral somente poderá ser aplicada caso um dos genitores
expressamente declare não deseja-la.
Essa imposição veio em
boa hora, pois finalmente viabiliza a comunicação entre a lei guarda
compartilhada e a lei de Alienação Parental (lei 12.318/2010),
tornando-as complementares, o que significa dar efetividade à aplicação de uma
e outra, o que não ocorria até então, já que a antiga redação da lei de guarda compartilhada (2008) apenas sugerir a sua aplicação,
do que decorria a subutilização dessa modalidade de guarda.
E
esse é apenas um dos benefícios da nova lei.
Deixando
de priorizar a guarda unilateral a nova lei garante maior participação de pai e
mãe no crescimento e desenvolvimento dos filhos, o que favorece o
desenvolvimento de crianças e adolescentes com menos traumas; propicia a
continuidade da relação desses filhos com seus pais e, principalmente, retira
da guarda a ideia de posse, de que o filho é propriedade exclusiva de um ou de
outro, acaba-se com o famigerado discurso do “a guarda é minha”, que no mais das
vezes significa: Eu tenho a posse, eu mando, eu tenho mais poder que você,
etc., etc..
Equívocos
mais comuns
A
verdade é que há muita opinião equivocada sobre a nova lei da guarda
compartilhada. Entre elas a questão da obrigatoriedade de pagar pensão.
Contrariamente
ao que muitos acreditam a atribuição de guarda compartilhada não retira do
genitor, a obrigação contribuir para o sustento dos filhos.
Os
alimentos podem sim ser fixados. Evidentemente, a depender de cada caso e
depois de analisada a forma como a família se organizará, as necessidades dos
filhos e a situação financeira de cada um dos genitores.
Outro
equivoco está relacionado ao período de convivência e local de residência da
criança. A
lei sugere a fixação de um período de convivência equilibrado, não
necessariamente divido igualitariamente.
A
esse respeito, destaca-se que apesar de não haver imposição de uma divisão
igualitária, há que se concordar que não há harmonia, tampouco se pode falar em
equilíbrio em um sistema de convivência onde um genitor passa sábado e domingo
quinzenalmente com o filho, enquanto o outro passa semanas inteiras. São 4 dias
para um genitor e 26 dias para o outro.
No
processo que vai regular ou modificar o modelo de guarda, essa delimitação
temporal se dará com acordo com o arranjo familiar de cada caso e vai depender
da disponibilidade de tempo de cada um dos genitores, se eles residem na mesma
cidade ou em cidades diferentes, das reais necessidades do menor, da situação
econômico-financeira dos pais, etc..
Esses
“detalhes” deverão ser observados pelo Juiz quando da fixação do tempo de
convivência. Caso isso não ocorra ou, seja feito de modo que se mantenha o
modelo 4x26, quando existam condições para uma divisão diferente, caberá ao
genitor interessado, através de seus advogados “brigar” para que esses limites
sejam fixados da forma mais elastecida possível, sob pena de não atingirmos o
fim último a que a lei se propõe, que é dar efetividade à participação de pai e
mãe no processo de desenvolvimento dos filhos, levando a uma pluralização das
responsabilidades, e ao estabelecimento de verdadeira democratização de
sentimentos.
Quanto
à residência, o que a lei estabelece que ela será fixada no lugar em que melhor
forem atendidas as necessidades dos filhos (1.583, § 3º), o que indica que
deverá sim ser estabelecida, especialmente nos casos em que os pais residam em
cidades diferentes, caso em que será mais difícil fazer uma divisão diária ou
semanal do tempo e tarefas entre ambos.
Na
prática, a Guarda Compartilha não é mais do que um resgate do conceito de poder
familiar, que por sua vez são direitos e obrigações relacionadas aos filhos
menores, que exercidos em igualdade de condições, dá a ambos os pais igualdade
de direitos, deveres e poderes em relação aos filhos.
O que
pode o Juiz no processo de guarda compartilhada
Para alcançar o que a
lei objetiva, o juiz analisando caso a caso e verificando a existência de
condições favoráveis poderá aplicar a guarda compartilhada, dividindo
atribuições e tempo com pai e mãe, e ainda, caso necessário poderá determinar o
encaminhamento deles para acompanhamento psicológico ou psiquiátrico (ECA 129 III).
Ainda.
Caso um dos genitores não aceite a guarda compartilhada, ou ambos discordem de
sua aplicação, mas ela se mostre viável, e ambos possuam condições de ter o
filho em sua companhia, o Juiz poderá aplicá-la, livremente, a requerimento de
uma das partes ou do Ministério Público, sem prejuízo da possibilidade de
igualmente determinar o encaminhamento dos pais para acompanhamento
psicológico/psiquiátrico para que possam bem desempenhar o encargo.
Em
casos extremos, mantendo-se o clima de beligerância, é possível ainda que o
Juiz atribua a guarda do menor a terceiros, preferencialmente a algum parente,
com quem os filhos mantenham relações e afinidade e afetividade, tudo com o
objetivo de estabelecer uma convivência familiar saudável.
Conclusão
É
bom lembrar que em se tratando de questões de família, nem tudo são flores, e
por isso não se pode perder de vista que não apenas os direitos são iguais,
também o são os deveres.
Ambos os genitores
carregam o ônus complexo que decorre da paternidade o que os sujeita às sanções
previstas no artigo 249 do Estatuto da Criança e do
Adolescente(e na lei de alienação parental). Além disso, é cada vez
maior o número de demandas nas quais os filhos ingressam com ação na justiça
pleiteando a reparação dos danos decorrentes da negligência afetiva de foram
vítimas.
De
acordo com especialistas em saúde mental o modelo de guarda compartilhada é o
que melhor atende aos interesses dos filhos de pais separados, portanto assim
considerando, e não esquecendo que a dissolução dos laços conjugais não leva à
cisão quanto aos direitos, tampouco quanto aos deveres em relação aos filhos e,
que é imprescindível que sejam mantidos os laços de afetividade que reduzem os
efeitos da separação, cabe aos pais unir esforços para que a organização do
compartilhamento da guarda se dê do modo mais produtivo e proveitoso para os
filhos, do que decorrerá menor desgaste e sofrimento, apesar de eventuais
ressentimentos e dores envolvidas.
Já disse o notável
advogado, Dr. Juan Cruet: Ve-se todos os dias a sociedade reformar a lei; nunca
se viu a lei reformar a sociedade. No entanto, eu, ca por mim, sigo tal qual Pollyana,
acreditando que forçados a cumprir a lei, um dia seremos reformados por ela.
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